COLUMNISTASIsabel Amaral

A COMUNICAÇÃO POLÍTICA E PROTOCOLO

por ISABEL AMARAL

O conceito de comunicação política tem evoluído ao longo dos tempos. Do estudo das relações entre governos e eleitorado, o seu objeto progrediu para um campo mais vasto que inclui tudo o que está relacionado como papel da comunicação na vida política. A perceção que os cidadãos têm dos políticos é condicionada por aquilo que lhes é transmitido pelos vários dispositivos de comunicação, nomeadamente os media. Ou seja, toda e qualquer ação política passa pela comunicação

Quanto ao protocolo foi desde sempre a liturgia do poder. A sua principal função é encenar o poder. Por isso tanto pode contribuir para vangloriar um líder, como para humilhar um inimigo. Todos os protocolos, sejam oficiais ou privados, militares ou religiosos, académicos ou empresariais constituem um sistema de comunicação verbal e não verbal, que aplica técnicas de ordenamento sistemático, regras de comportamento e de vestuário, na organização de eventos públicos ou privados.

Em abril de 2021 o termo “protocolo” ganhou uma importância viral. Não houve meio de comunicação que não comentasse o incidente diplomático, que ficou conhecido como Sofagate, uma palavra nova, com direito a inclusão na Wikipédia. O incidente deu-se em Ancara, na Turquia, no dia 7 de abril, quando o Presidente turco recebeu o Presidente do Conselho Europeu e a presidente da Comissão Europeia. Tudo correu bem durante a receção e a fotografia oficial dos três líderes junto das bandeiras na sala onde ia decorrer a reunião. Até aí ninguém se apercebeu de que os serviços de protocolo do presidente turco só tinham colocado duas cadeiras à frente das bandeiras. Quando este se sentou e indicou ao Presidente do Conselho francês para se sentar na cadeira à sua direita, a Presidente da Comissão Europeia percebeu que teria de se sentar num sofá, em frente do sofá, onde se sentou o primeiro-ministro turco. Ficou furiosa com o que entendeu ser uma discriminação provocada pela conhecida misoginia do presidente turco. 

Nessa semana, nunca se falou tanto de protocolo (ou da sua falta) em todo o mundo e em todos os meios de comunicação. Muitos comentadores confundiram protocolo com etiqueta, argumentando que o Presidente do Conselho Europeu devia ter recusado o lugar indicado pelo anfitrião e trocava com a Presidente da Comissão Europeia o que seria um insulto para o anfitrião. Mais importante do que a cortesia é o protocolo da União Europeia que estabelece que o Presidente do Conselho Europeu tem estatuto de Chefe de Estado e a Presidente da Comissão Europeia tem estatuto de Chefe do Governo. Imagino que durante a visita preparatória o serviço de protocolo do presidente do Conselho Europeu tenha transmitido isto aos congéneres turcos, como depois veio a ser confirmado pelo gabinete do presidente turco..

Soube-se depois que a Presidente da Comissão Europeia não enviou ninguém do protocolo na visita preparatória e que ninguém verificou a disposição da sala antes dos líderes entrarem. Erro crasso e que não deveria repetir-se. 

Vivemos agora num mundo ameaçado por uma nova realidade: um cenário de guerra na fronteira da União Europeia, que abriu uma crise mundial. A diplomacia passou a ser a única forma de evitar o alastramento da crise e o protocolo nunca foi tão necessário seja para conseguir definir o cenário em que as negociações de paz se possam desenrolar, seja para transmitir pistas aos observadores que assistem aos sucessivos encontros entre líderes mundiais. 

Um caso que surpreendeu todos foi  primeiro  encontro cara a cara entre o Presidente Putin e o Presidente francês Macron em fevereiro de 2022, em Moscovo. Macron ia em representação da União Europeia e pretendia convencer a Rússia a desistir de invadir a Ucrânia. Houve um detalhe que roubou a cena e pelo inesperado: a grande mesa de seis metros que separava os dois mandatários durante a negociação. O Kremlin afirmou que a medida fazia parte do protocolo anticovid, já que o presidente francês se recusou a fazer um teste PCR ao chegar à Rússia. Fontes ligadas ao Presidente francês disseram que o Presidente já fizera o teste antes de partir e que a recusa se deveu ao perigo de os russos tentarem apoderarem-se do ADN de Macron. A receção foi curta e fria, com o presidente francês a entrar na sala, acompanhado apenas por um elemento chinês do protocolo e o Presidente russo a perguntar-lhe se fizera boa viagem e a apontar-lhe para o lugar. Não houve cumprimentos, nem bandeiras na sala. Estas só apareceriam na conferência de imprensa posterior: duas francesas e duas da União Europeia por trás do Presidente francês e quatro da Federação russa por trás do Presidente Putin. 

O segundo exemplo sobre a importância do protocolo nos eventos internacionais. teve lugar durante a visita do presidente da República Popular da China à Rússia, em março de 2023. Xi Jinping foi recebido em triunfo com direito a um protocolo muito elaborado e cuidadoso. Quem viu o vídeo do encontro dos dois chefes de Estado no Palácio do Kremlim, assistiu a uma encenação de poder como já não se via há muito tempo. A majestosidade do cenário, a abertura em simultâneo das duas gigantescas portas douradas de cada lado da sala por militares com farda de gala, para a saída de cada um dos dois chefes de Estado e o seu imponenete percurso na passadeira vermelha até se encontrarem no, devidamente assinalado, centro da sala onde tinham sido hasteadas gigantescas bandeiras dos dois países foi, em minha opinião, algo digno de uma coreografia de Hollywood.

A ideia que esta cerimónia transmitiu foi a de um encontro entre os chefes de duas grandes potências, que gostam de exibir poder, legitimidade e magnificência através de um cerimonial milenar, que é muito apreciado em ambos os países. No mundo ocidental este tipo de cerimonial ostentoso e complexo é criticado e tem vindo a ser substituído por um protocolo quase invisível em que se esquecem as tradições e os rituais a favor da modernidade e da simplicidade.

Quando no começo do mês de abril o Presidente Emmanuel Macron fez uma visita de 3 dias à China, acompanhado pela Presidente da Comissão Europeia, foi recebido com toda a pompa e circunstância pelo seu homólogo, com direito a hinos, tribuna e revista à guarda de honra na praça Tiananmen. Já a Presidente da Comissão Europeia teve uma receção mais discreta, demonstrando que internacionalmente a Presidente do Comissão Europeia não goza do estatuto de chefe de Estado, mas de chefe de Governo. Esteve na mesma mesa de negociações que o presidente chinês e o presidente francês, mas não teve direito às honras de Estado nem aos pequenos gestos com que o Presidente chinês quis distinguir o Presidente francês. O mais inesperado foi oferecer um chá num cenário florido e ambos em traje descontraído para passar a mensagem de uma velha amizade entre os seus povos. Diferenças essas que que facilmente poderão ser detetadas pelos entendidos em protocolo, se visionarem os diversos vídeos destes momentos, provando que o protocolo é um instrumento fundamental da comunicação política.

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